domingo, outubro 14

Um amor entre crimes



Capítulo 1.

O relógio não parava de tocar. Estava marcando dez da manhã, mas Lucas ainda estava sentindo os efeitos do fuso horário. Ano que vem, ele iria começar a cursar a faculdade de Direito em São Paulo e esse seria o último ano que teria para viajar com os pais, mas não esperava que fosse passar o tempo todo da viagem fazendo hora para a nova loucura da sua mãe: a fotografia.

Ele adorava história e a Inglaterra, e pedira essa viagem de presente quando soube do resultado do vestibular. Sua família não era rica, mas também não era paupérrimos, o problema era que o país estava uma bagunça. O presidente estava prestes a fazer história como o primeiro, e ele esperava que fosse o único, a receber um impeachment. A sua família não sofrera tanto os impactos, pelo fato de seu pai ocupar um cargo público, mas as despesas caíram bastante.

Havia aproveitado o fato de ser inverno no hemisfério norte para fazer a viagem. Sempre gostara mais do frio, não entendia o motivo, apesar de ter um amor incondicional ao seu porto de lenha que jamais chegará a ser Liverpool.

Ficou entediado, escutando no último volume o novo trabalho do Bon Jovi e não reparou que havia um grupo de estudantes perto de onde sua mãe estava tirando fotos. Falava inglês de suas viagens para a Disney. Nunca teve paciência para estudar, mas se comunicava bem.

Distraído ao voltar para onde seus pais estavam, esbarrou no grupo onde seu precioso Walkman, fruto do trabalho no frigorífico, foi ao chão. As pilhas se espalharam pela calçada e a fita foi parar no meio fio.

- MERDA! – Gritou irritado sem notar que uma das estudantes já estava limpando o Walkman na barra da saia. – Oh, Sorry! – Falou num inglês quase sem sotaque.
- Tudo bem! – Falou a menina.
- Você é brasileira? Nossa, que alegria poder falar com mais alguém que não sejam meus pais.
- Aqui está seu walkman. Desculpe, eu não estava prestando atenção pra onde estava olhando, minhas amigas estão me puxando porque, já estamos atrasadas.
- Han, tudo bem. Obrigado! – A garota já estava longe quando se lembrou de perguntar o nome dela – Qual seu nome? – Perguntou quase aos berros.
- Sofia! – Gritou ela sorrindo de volta, correndo.

Lucas ficou olhando ainda um tempo, torcendo para poder encontrá-la novamente. Voltou para onde estavam seus pais. Sua mãe estava tirando, pelos seus cálculos, a centésima foto somente do Big Ben, e eles ainda teriam muita coisa para ver naquele dia.

- Mãe, vamos, nós temos ainda que passar no Museu Britânico, lembra?
- Sim, vamos sim. Acho que essas fotos vão ficar belíssimas, não acha filho?
- Sim, vão sim.
- A visita para o museu ficará para a parte da tarde. Já passam das onze da manhã e até chegarmos a um restaurante, será hora do almoço.

Mesmo contrariado, Lucas sabia que seu pai estava certo. Entraram num táxi e pediram para que ele os deixasse num bom restaurante. A sorte do pequeno grupo era que o taxista conhecia vários locais com restaurantes. Como eles pretendiam ir ao museu mais tarde, ele os levou até um restaurante próximo. Somente uma estação de metrô, além de onde estavam.

Lucas começou a aproveitar a viagem. Ele ficou horas vendo todos os locais que o museu oferecia. Ficou hipnotizado com todo o cheiro de história que havia lá dentro. Quem não estava aproveitando muito eram seus pais. Mas sua mãe aproveitou para tirar fotos do marido enquanto esperava o filho. Lucas precisava admitir que sua mãe nunca ficava sem nada para fazer.

Lá dentro, enquanto olhava algumas esculturas, escutou os tons baixinhos de uma música brasileira. Não tinha como ele errar, era Leoni, apesar de não identificar a música. Foi atrás de aonde o som vinha. Entrou em uma sala onde havia um grande quadro de Henrique VIII e viu os estudantes de um colégio fazendo trabalho. Logo avistou a mesma garota que havia esbarrado logo cedo.

Ela estava sentada junto com outros alunos e não notou a sua presença. Não tinha nada de especial, já vira garotas mais bonitas, mas ela possuía alguma coisa diferente, talvez o olhar, que mesmo sorrindo, passava uma melancolia que fazia com que ele quisesse colocar aquela menina no colo.

- Olá?! – Ele falou baixo tirando o fone de ouvido dela. – Sofia, certo? – A garota parecia surpresa ao encontrá-lo no museu.
- Oi! – Ela falou baixo, se levantando e saindo de perto dos amigos. – O que você está fazendo aqui?
- Estou de férias com meus pais. Presente por ter passado no vestibular.
- Ah, legal, mas eu perguntei o que tá fazendo junto com o grupo da escola!?
- Ah, foi que eu estava passando e escutei a melodia da música que você tá escutando... Leoni, não é?
- É... Desculpa, não gravei seu nome.
- Lucas.
- Bom, tenho que ir, a professora vai sentir minha falta.
- Não, espera, hoje é sexta, tem como a gente se ver amanhã? – Lucas notou que Sofia olhou desconfiada. Talvez não tivesse acostumada.
- Por que? Amanhã tenho aula e vou, com uns amigos, pro interior da Inglaterra.
- Eu te levo na estação, eu realmente quero passar um tempo com você. Você é a única brasileira que eu encontrei aqui, além dos meus pais, quero conversar com alguém da minha faixa etária.
- Tudo bem, o trem sai às 16h. 

Ela não esperou Lucas responder e voltou para o grupo de estudantes. Por mais que ele não quisesse, queria conhecer melhor aquela garota. Voltou para junto dos pais; eles falaram que estavam voltando para o hotel e que se ele quisesse ficar mais tempo, não teria problema.

Lucas aproveitou a oportunidade para ficar e tentar falar com Sofia. O problema que o grupo saiu todo de uma vez, e ele não pode se aproximar. Viu quando Sofia e suas amigas se caminharam para a estação do metrô e as seguiu sem se aproximar muito. 
Quando notou que Sofia ficara sozinha no metrô se aproximou novamente. Viu que o olhar dela agora era um pouco de medo, e não pôde deixar de se divertir com isso.

- O que você quer, afinal de contas? Está me seguindo por quê?
- Calma, eu quero apenas ser seu amigo. – Não obteve resposta. Seria difícil conseguir se aproximar daquela garota. – Para quem tá longe, você é bem hostil com os brasileiros.
- Sua mãe nunca lhe ensinou a não falar com estranhos? Pois é! – Ela falou irritada.
- Sou Lucas, tenho 18 anos e vou cursar a faculdade de Direito da USP. Viu? Não somos mais desconhecidos.
- O que você sabe de mim?
- Que se chama Sofia, que está fazendo intercâmbio, obviamente, e que não gosta de falar com estranhos.
- Viu, não sabe nada! Agora tenho que ir.
- Tudo bem, eu vou com você, afinal de contas, até você precisa concordar que essa hora é meio perigoso ficar andando sozinha.

Ele aproveitou a oportunidade e a levou para jantar. Já estava próximo do jantar. Ele estava morrendo de fome; então não esperou uma resposta e a levou a uma lanchonete perto de onde saíram.

Sofia estava mais relaxada e começou a conversar com ele. Contou que tinha 15 anos, que faria 16 em janeiro e que estava terminando o intercâmbio de um ano. Ficaria atrasada no colégio no Brasil, mas ela não ligava muito e deduziu que Sofia não gostava muito do colégio.

Era filha única por parte de mãe, mas tinha uma irmã por parte de pai. Eles estavam separados havia três anos. Foi quando a vaga para o intercâmbio saiu. Agradeceu, pois não estava querendo ficar presente nas brigas eternas dos pais. Ele descobriu que ela gostava muito de música nacional, principalmente as bandas de rock e que amava aquele tempo frio de Londres.

Há medida que Sofia ia conversando com Lucas, ele notava detalhes novos nela. Seus olhos eram de um castanho-chocolate difícil de descrever e que quando nervosa, mordia os lábios. Não sabia receber elogios e possuía um colar com uma cruz simples. Seus cabelos estavam presos, mas notou que eram encaracolados. Uma pessoa comum aos olhos de outras pessoas, mas Lucas estava começando a gostar do que estava descobrindo.

- Nossa, tenho que ir, já está ficando tarde... Bem tarde pra falar a verdade.
- Posso te ver amanhã? É sério?! – Ele falou olhando dentro dos olhos dela.
- Eu... Amanhã eu vou...
- Viajar com os amigos para o interior. E eu vou embora pra Paris. Por favor?
- Tá, eu vou estar na St. Pancras Station às duas da tarde, teremos duas horas para conversarmos mais. Não se atrase. – Sofia falou dando um beijo no rosto dele, e correndo para poder pegar o próximo metrô.

Lucas ficou parado, olhando Sofia sair correndo para dentro da estação de metrô. Debaixo da plaquinha escrita subway ele sorriu, pegou um taxi e foi para o hotel.
Chegando ao hotel, sua mãe já estava irritada pela demora do filho. O pai estava no bar tomando uma bebida qualquer.

- Letícia ligou!
- Amanhã eu ligo pra ela.
- Mas, filho...
- Amanhã, mãe. – Lucas não podia falar com Letícia. Estava pensando nos olhos de Sofia. Ele não sabia, mas se apaixonara por eles.

No dia seguinte, deu uma desculpa para os pais de que iria visitar mais um museu e conseguiu se livrar por algumas horas. Chegou à estação às duas e dez. Correu para o local de encontro rezando para que Sofia ainda estivesse esperando.

Enquanto Lucas corria, Sofia já estava se preparando para ir embora. Ela estava imaginando que ela fora apenas um passatempo noturno um filhinho de algum paulista rico. Mal sabia ela, que eles moravam na mesma cidade. Ao avistá-lo colocando a mochila nas costas, não pode deixar de sorrir.

- Você veio mesmo! – Ela falou. – E está atrasado! – Disse tirando o sorriso do rosto.
- Desculpa, meus pais não estavam querendo me livrar. Já estava imaginando que eu não fosse mais te encontrar aqui.
- É...
- Desculpa, vem, senta nesse banco. Sofia, você sabe que eu viria, não sabe?
- Como eu poderia saber? Só nos conhecemos há dois dias, contando com hoje...
- Estava pensando que eu iria te dar o bolo. Mas olha, eu não sou assim, imagino que você tenha escutado demais essa frase, mas eu gostei de conversar com você. Você não é idiota como a maioria das meninas da tua idade.
- Falou o experiente mais velho. Tudo bem que eu não devo passar de uma garotinha pra você, mas eu...

Sofia não conseguiu terminar de falar. Lucas puxou seu rosto e a beijou. Inicialmente Sofia ficou desconfortável, afinal era seu primeiro beijo, mas logo ela se acalmou e deixou que Lucas lhe beijasse direito.

Ela passou as mãos pelo pescoço dele abraçando-o. Não queria que aquilo tudo terminasse. Quando veio pra Londres estava completamente confusa. Seus pais estavam brigando, descobrira que seu pai tinha outra família, que tinha uma irmã de três anos e havia recebido um não do garoto que ela gostara a vida inteira. Londres pareceu um refúgio pra toda confusão da vida.

Demorou um pouco pra ela se adaptar ao estilo britânico, mas logo que se acostumou, fez amizades fortes e verdadeiras. Porém mantinha distância. Suas amigas até tentavam fazer com que ela saísse para conhecer mais pessoas, mas Sofia preferia ficar no quarto estudando. Suas notas eram as melhores do colégio, principalmente história e gramática.

Ao esbarrar em Lucas ficou com o coração acelerado. Olhou pro rapaz de olhos castanhos claros, cabelos lisos, de pele branca e ficou encantada. Se surpreendeu ao vê-lo no museu e seguindo seu grupo de amigas. Achou que ele estivesse atrás da Chloe, de longe sua amiga mais bonita, mas foi com ela que ele fora conversar.

Agora ele estava lhe beijando. De alguma forma seu coração estremeceu com tudo aquilo. Deixara um total estranho, estranho este que provavelmente nunca mais veria de novo, se aproximar demais. Ela não queria se apaixonar, ela não queria mais aquela dor.

Foi com esses pensamentos que ela o afastou e saiu correndo deixando Lucas sem entender nada. Ele correu atrás dela, mas já era tarde demais, ela havia sumido. Ele ainda ficou procurando por um bom tempo, mas não a encontrara. Resolveu ir embora. E sem saber mais nada daquela garota, nem endereço e muito menos telefone. Somente a sua lembrança.

Sofia estava escondida no banheiro feminino e viu quando Lucas passou correndo sem notar sua presença. Entrou em um dos biombos, tremendo, chorando. Ficou lá, até a hora que marcara com os amigos. Saiu, lavou o rosto, retocou o batom e saiu tentando sorrir. Ela sabia que seria difícil esquecer aquele rapaz. Entrou no trem e partiu.