quinta-feira, outubro 5

Tudo estava bem.

E tudo, desta vez, estava bem. Quer dizer, agora ela havia chegado no ponto onde sempre quis e estava meio perdida de qual caminho seguir – na verdade, claro que isso a estava preocupando, ficar sem norte nunca foi uma opção para ela – mas agora, ela ao menos sabia que encontraria o seu caminho; no tempo dela, na hora dela, do jeito dela, ela encontraria o caminho, e tudo que havia passado, aprendera a não ligar para o que os outros insistiam em falar. Ela simplesmente aprendeu a ignorar tais dizeres. E tudo porque sabia que o pior já havia passado, pelo menos por enquanto.

No ritmo dela, aprendera a não “ouvir” o olhar dos outros em sua direção. Ela conseguira isso e era motivo de muito orgulho para ela. Lá no fundo, era claro que ela estava com medo do que poderia vir pelo futuro, já que todos sabem que o futuro é uma “astronave que tentamos pilotar”, sem muito sucesso. E isso dá medo, e mesmo quanto a isso ela estava tranquila, pela primeira vez na vida, ela estava tranquila. Quanto a isso.

Tudo estar bem era o problema, ao menos para ela, pois era justamente quanto as coisas estavam completamente bem que as suas maiores feridas foram feitas, pois seu mecanismo de defesa era quase que totalmente inexistente. Era quanto ela ficava mais exposta a tudo que se machucava. E mesmo sabendo disso, era impossível não ficar exposta, não se sentir “segura” quando as coisas estavam bem. E é justamente nessa fase que um velho conhecido dela aparecia... Ele fica por lá por dentro dela, lá no fundo, no cerne do coração dela, ele está lá, escondido, tentando se expandir ainda sem muitas forças para isso.... Ela o nomeara de Senhor Medo.

O Senhor Medo era tão poderoso que todos os outros medos dela sentiam medo dele. E ele era poderoso porque tratava de um segmento da vida dela que ela mais se sentia frágil: as pessoas. Pessoas que ela conhecera no meio do processo (E algumas até mesmo antes do grande processo – aquelas que permaneceram, claro) e que ela nutria um amor incondicional. Não amor sexual, não, esse amor, frente ao que ela sentia era banal. Esse amor, ela costumava dizer, era algo que nem mesmo o maior amor do mundo seria capaz de explicá-lo. Era uma força tão poderosa que ela carregava por tais pessoas que sentia, muitas vezes, que seria sufocada por ele de tão forte. E o Senhor Medo atacava esse ponto, implantando no coração dela, a sombra da perda.

Finalmente ela conseguira tudo que sempre havia sonhado, e conhecido pessoas que ela sabia que estão dentro do lugar mais privilegiado do seu coração e essa sombra teimava em querer entrar nesse lugar há muito tempo vago, mas que agora, havia inquilinos dignos dele.

Tudo estava bem e era exatamente por isso que o Senhor Medo teimava em romper o lacre. Todas as suas lágrimas durante aquele tempo eram resultado do Senhor Medo... Medo de perder... Tudo! Ela não estava mais disposta a abrir mão de nada nem ninguém. Ela não tinha mais forças para isso. Durante toda a sua vida, ela abriu mão de coisas e pessoas que ela queria que hoje estivessem por perto, a última vez, ela caiu tão fundo que chegou a pensar que jamais conseguiria sair do buraco que estava. Um buraco chamado vazio... Um vazio que a sufocava.

As noites mal dormidas, os choros abraçada na almofada, os pensamentos ciumentos horríveis (E ela não sabia lidar com ciúmes, era algo que ela não sabia lidar) e a insegurança constante, tudo isso era o Senhor Medo tentando se expandir.

Ela não poderia mais abrir mão de ninguém na vida dela, a última vez que fez isso, ela sentiu seu coração queimar e jurou nunca mais sentir isso. Ela não abriria mais mão daqueles que guarda no coração em um lugar especial.

Mas, por enquanto, tudo estava bem. E isso bastava.

Vanessa Carvalho – Autoral.

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