Capítulo 1.
O relógio não parava
de tocar. Estava marcando dez da manhã, mas Lucas ainda estava sentindo os
efeitos do fuso horário. Ano que vem, ele iria começar a cursar a faculdade de
Direito em São Paulo e esse seria o último ano que teria para viajar com os
pais, mas não esperava que fosse passar o tempo todo da viagem fazendo hora
para a nova loucura da sua mãe: a fotografia.
Ele adorava história
e a Inglaterra, e pedira essa viagem de presente quando soube do resultado do
vestibular. Sua família não era rica, mas também não era paupérrimos, o
problema era que o país estava uma bagunça. O presidente estava prestes a fazer
história como o primeiro, e ele esperava que fosse o único, a receber um impeachment. A sua família não sofrera
tanto os impactos, pelo fato de seu pai ocupar um cargo público, mas as
despesas caíram bastante.
Havia aproveitado o
fato de ser inverno no hemisfério norte para fazer a viagem. Sempre gostara
mais do frio, não entendia o motivo, apesar de ter um amor incondicional ao seu
porto de lenha que jamais chegará a ser Liverpool.
Ficou entediado,
escutando no último volume o novo trabalho do Bon Jovi e não reparou que havia
um grupo de estudantes perto de onde sua mãe estava tirando fotos. Falava
inglês de suas viagens para a Disney. Nunca teve paciência para estudar, mas se
comunicava bem.
Distraído ao voltar
para onde seus pais estavam, esbarrou no grupo onde seu precioso Walkman, fruto
do trabalho no frigorífico, foi ao chão. As pilhas se espalharam pela calçada e
a fita foi parar no meio fio.
- MERDA! – Gritou irritado sem notar que uma das estudantes já estava
limpando o Walkman na barra da saia. – Oh, Sorry! – Falou num inglês quase sem
sotaque.
- Tudo bem! – Falou a menina.
- Você é brasileira? Nossa, que alegria poder falar com mais alguém que
não sejam meus pais.
- Aqui está seu walkman. Desculpe, eu não estava prestando atenção pra
onde estava olhando, minhas amigas estão me puxando porque, já estamos
atrasadas.
- Han, tudo bem. Obrigado! – A garota já estava longe quando se lembrou
de perguntar o nome dela – Qual seu nome? – Perguntou quase aos berros.
- Sofia! – Gritou ela sorrindo de
volta, correndo.
Lucas ficou olhando
ainda um tempo, torcendo para poder encontrá-la novamente. Voltou para onde
estavam seus pais. Sua mãe estava tirando, pelos seus cálculos, a centésima
foto somente do Big Ben, e eles ainda teriam muita coisa para ver naquele dia.
- Mãe, vamos, nós temos ainda que passar no Museu Britânico, lembra?
- Sim, vamos sim. Acho que essas fotos vão ficar belíssimas, não acha
filho?
- Sim, vão sim.
- A visita para o museu ficará
para a parte da tarde. Já passam das onze da manhã e até chegarmos a um
restaurante, será hora do almoço.
Mesmo contrariado,
Lucas sabia que seu pai estava certo. Entraram num táxi e pediram para que ele
os deixasse num bom restaurante. A sorte do pequeno grupo era que o taxista
conhecia vários locais com restaurantes. Como eles pretendiam ir ao museu mais
tarde, ele os levou até um restaurante próximo. Somente uma estação de metrô,
além de onde estavam.
Lucas começou a
aproveitar a viagem. Ele ficou horas vendo todos os locais que o museu
oferecia. Ficou hipnotizado com todo o cheiro de história que havia lá dentro.
Quem não estava aproveitando muito eram seus pais. Mas sua mãe aproveitou para
tirar fotos do marido enquanto esperava o filho. Lucas precisava admitir que
sua mãe nunca ficava sem nada para fazer.
Lá dentro, enquanto
olhava algumas esculturas, escutou os tons baixinhos de uma música brasileira.
Não tinha como ele errar, era Leoni, apesar de não identificar a música. Foi
atrás de aonde o som vinha. Entrou em uma sala onde havia um grande quadro de
Henrique VIII e viu os estudantes de um colégio fazendo trabalho. Logo avistou
a mesma garota que havia esbarrado logo cedo.
Ela estava sentada
junto com outros alunos e não notou a sua presença. Não tinha nada de especial,
já vira garotas mais bonitas, mas ela possuía alguma coisa diferente, talvez o
olhar, que mesmo sorrindo, passava uma melancolia que fazia com que ele
quisesse colocar aquela menina no colo.
- Olá?! – Ele falou baixo tirando o fone de ouvido dela. – Sofia, certo?
– A garota parecia surpresa ao encontrá-lo no museu.
- Oi! – Ela falou baixo, se levantando e saindo de perto dos amigos. – O
que você está fazendo aqui?
- Estou de férias com meus pais. Presente por ter passado no vestibular.
- Ah, legal, mas eu perguntei o que tá fazendo junto com o grupo da
escola!?
- Ah, foi que eu estava passando e escutei a melodia da música que você
tá escutando... Leoni, não é?
- É... Desculpa, não gravei seu nome.
- Lucas.
- Bom, tenho que ir, a professora vai sentir minha falta.
- Não, espera, hoje é sexta, tem como a gente se ver amanhã? – Lucas
notou que Sofia olhou desconfiada. Talvez não tivesse acostumada.
- Por que? Amanhã tenho aula e vou, com uns amigos, pro interior da
Inglaterra.
- Eu te levo na estação, eu realmente quero passar um tempo com você.
Você é a única brasileira que eu encontrei aqui, além dos meus pais, quero
conversar com alguém da minha faixa etária.
- Tudo bem, o trem sai às 16h.
Ela não esperou Lucas
responder e voltou para o grupo de estudantes. Por mais que ele não quisesse,
queria conhecer melhor aquela garota. Voltou para junto dos pais; eles falaram
que estavam voltando para o hotel e que se ele quisesse ficar mais tempo, não
teria problema.
Lucas aproveitou a
oportunidade para ficar e tentar falar com Sofia. O problema que o grupo saiu
todo de uma vez, e ele não pode se aproximar. Viu quando Sofia e suas amigas se
caminharam para a estação do metrô e as seguiu sem se aproximar muito.
Quando notou que
Sofia ficara sozinha no metrô se aproximou novamente. Viu que o olhar dela
agora era um pouco de medo, e não pôde deixar de se divertir com isso.
- O que você quer, afinal de contas? Está me seguindo por quê?
- Calma, eu quero apenas ser seu amigo. – Não obteve resposta. Seria
difícil conseguir se aproximar daquela garota. – Para quem tá longe, você é bem
hostil com os brasileiros.
- Sua mãe nunca lhe ensinou a não falar com estranhos? Pois é! – Ela
falou irritada.
- Sou Lucas, tenho 18 anos e vou cursar a faculdade de Direito da USP.
Viu? Não somos mais desconhecidos.
- O que você sabe de mim?
- Que se chama Sofia, que está fazendo intercâmbio, obviamente, e que
não gosta de falar com estranhos.
- Viu, não sabe nada! Agora tenho que ir.
- Tudo bem, eu vou com você,
afinal de contas, até você precisa concordar que essa hora é meio perigoso
ficar andando sozinha.
Ele aproveitou a
oportunidade e a levou para jantar. Já estava próximo do jantar. Ele estava
morrendo de fome; então não esperou uma resposta e a levou a uma lanchonete
perto de onde saíram.
Sofia estava mais
relaxada e começou a conversar com ele. Contou que tinha 15 anos, que faria 16
em janeiro e que estava terminando o intercâmbio de um ano. Ficaria atrasada no
colégio no Brasil, mas ela não ligava muito e deduziu que Sofia não gostava
muito do colégio.
Era filha única por
parte de mãe, mas tinha uma irmã por parte de pai. Eles estavam separados havia
três anos. Foi quando a vaga para o intercâmbio saiu. Agradeceu, pois não
estava querendo ficar presente nas brigas eternas dos pais. Ele descobriu que
ela gostava muito de música nacional, principalmente as bandas de rock e que
amava aquele tempo frio de Londres.
Há medida que Sofia
ia conversando com Lucas, ele notava detalhes novos nela. Seus olhos eram de um
castanho-chocolate difícil de descrever e que quando nervosa, mordia os lábios.
Não sabia receber elogios e possuía um colar com uma cruz simples. Seus cabelos
estavam presos, mas notou que eram encaracolados. Uma pessoa comum aos olhos de
outras pessoas, mas Lucas estava começando a gostar do que estava descobrindo.
- Nossa, tenho que ir, já está ficando tarde... Bem tarde pra falar a
verdade.
- Posso te ver amanhã? É sério?! – Ele falou olhando dentro dos olhos
dela.
- Eu... Amanhã eu vou...
- Viajar com os amigos para o interior. E eu vou embora pra Paris. Por
favor?
- Tá, eu vou estar na St. Pancras Station às duas da tarde,
teremos duas horas para conversarmos mais. Não se atrase. – Sofia falou dando
um beijo no rosto dele, e correndo para poder pegar o próximo metrô.
Lucas ficou parado,
olhando Sofia sair correndo para dentro da estação de metrô. Debaixo da
plaquinha escrita subway ele sorriu,
pegou um taxi e foi para o hotel.
Chegando ao hotel,
sua mãe já estava irritada pela demora do filho. O pai estava no bar tomando
uma bebida qualquer.
- Letícia ligou!
- Amanhã eu ligo pra ela.
- Mas, filho...
- Amanhã, mãe. – Lucas não podia
falar com Letícia. Estava pensando nos olhos de Sofia. Ele não sabia, mas se
apaixonara por eles.
No dia seguinte, deu
uma desculpa para os pais de que iria visitar mais um museu e conseguiu se
livrar por algumas horas. Chegou à estação às duas e dez. Correu para o local
de encontro rezando para que Sofia ainda estivesse esperando.
Enquanto Lucas
corria, Sofia já estava se preparando para ir embora. Ela estava imaginando que
ela fora apenas um passatempo noturno um filhinho de algum paulista rico. Mal
sabia ela, que eles moravam na mesma cidade. Ao avistá-lo colocando a mochila
nas costas, não pode deixar de sorrir.
- Você veio mesmo! – Ela falou. – E está atrasado! – Disse tirando o
sorriso do rosto.
- Desculpa, meus pais não estavam querendo me livrar. Já estava
imaginando que eu não fosse mais te encontrar aqui.
- É...
- Desculpa, vem, senta nesse banco. Sofia, você sabe que eu viria, não
sabe?
- Como eu poderia saber? Só nos conhecemos há dois dias, contando com
hoje...
- Estava pensando que eu iria te dar o bolo. Mas olha, eu não sou assim,
imagino que você tenha escutado demais essa frase, mas eu gostei de conversar
com você. Você não é idiota como a maioria das meninas da tua idade.
- Falou o experiente mais velho.
Tudo bem que eu não devo passar de uma garotinha pra você, mas eu...
Sofia não conseguiu
terminar de falar. Lucas puxou seu rosto e a beijou. Inicialmente Sofia ficou
desconfortável, afinal era seu primeiro beijo, mas logo ela se acalmou e deixou
que Lucas lhe beijasse direito.
Ela passou as mãos
pelo pescoço dele abraçando-o. Não queria que aquilo tudo terminasse. Quando
veio pra Londres estava completamente confusa. Seus pais estavam brigando,
descobrira que seu pai tinha outra família, que tinha uma irmã de três anos e
havia recebido um não do garoto que ela gostara a vida inteira. Londres pareceu
um refúgio pra toda confusão da vida.
Demorou um pouco pra
ela se adaptar ao estilo britânico, mas logo que se acostumou, fez amizades
fortes e verdadeiras. Porém mantinha distância. Suas amigas até tentavam fazer
com que ela saísse para conhecer mais pessoas, mas Sofia preferia ficar no
quarto estudando. Suas notas eram as melhores do colégio, principalmente
história e gramática.
Ao esbarrar em Lucas
ficou com o coração acelerado. Olhou pro rapaz de olhos castanhos claros,
cabelos lisos, de pele branca e ficou encantada. Se surpreendeu ao vê-lo no
museu e seguindo seu grupo de amigas. Achou que ele estivesse atrás da Chloe,
de longe sua amiga mais bonita, mas foi com ela que ele fora conversar.
Agora ele estava lhe
beijando. De alguma forma seu coração estremeceu com tudo aquilo. Deixara um
total estranho, estranho este que provavelmente nunca mais veria de novo, se
aproximar demais. Ela não queria se apaixonar, ela não queria mais aquela dor.
Foi com esses
pensamentos que ela o afastou e saiu correndo deixando Lucas sem entender nada.
Ele correu atrás dela, mas já era tarde demais, ela havia sumido. Ele ainda
ficou procurando por um bom tempo, mas não a encontrara. Resolveu ir embora. E
sem saber mais nada daquela garota, nem endereço e muito menos telefone.
Somente a sua lembrança.
Sofia estava
escondida no banheiro feminino e viu quando Lucas passou correndo sem notar sua
presença. Entrou em um dos biombos, tremendo, chorando. Ficou lá, até a hora
que marcara com os amigos. Saiu, lavou o rosto, retocou o batom e saiu tentando
sorrir. Ela sabia que seria difícil esquecer aquele rapaz. Entrou no trem e
partiu.