Há tempos
ela não desligava do mundo. Era sempre correria. Ou estava estudando ou estava
trabalhando. Sentia falta da época em que acordava na hora que teria que
acordar, e não por causa do despertador. Naquele domingo, ela se deu esse
tempo. Pessoas necessitam de uma válvula de escape... Ela costumava falar para
as pessoas.
Pegou o
primeiro livro que viu na estante. Com o tempo que estava longe dessa
gratificante atividade, qualquer livro serviria, mesmo aqueles que ela jamais
pensaria em ler. Preparou um lanche. O dia estava com a temperatura amena,
então ela pensou em ir para alguma praça para passar o tempo e simplesmente
ler.
Ao chegar
ao local, procurou um banco com sombra para enfim poder esquecer de tudo que
estava acontecendo em sua vida. Coisas nada boas. Então ela começou a ler e
logo se perdeu entre as letras do livro. Ela não estava ligando muito para
isso, tanto que nem lembrava do nome do livro, só sabia que era “o livro de
capa azul”, como ela escutou tantas vezes quando trabalhou na mais famosa
livraria da cidade.
E, como o
universo era irônico, era um livro sobre relacionamento. Algo que ela não
estava precisando. Ela queria algo com “... e viveram felizes para sempre.” Afinal
de contas, era ficção, e na ficção há a obrigação de se ter finais assim. E seu
temor aconteceu, ela se lembrava dele. E quanto mais ela tentava se ligar nas
letras e palavras e frases do livro, mais ela lembrava dele. Fechou o livro.
Ficou se xingando, pois poderia muito bem ter pego seu, já muito usado,
exemplar de Nárnia, mas nem lá o final é tão feliz assim. Poderia ter pego
Crepúsculo, mas ela nem se lembrava mais onde estavam guardados os exemplares.
Com o
tempo a leitura ficou em segundo plano. Se levantou do banco e foi se sentar
perto de uma árvore para que pudesse fazer seu lanche em paz. Não era nada
muito requintado, basicamente um sanduiche com um suco. Se encostou na árvore e
mesmo não querendo, ficou se lembrando do último ano. O relacionamento, que ela
pensava que era forte, estava ruindo e ela nem sabia o motivo. Se culpava por
estar trabalhando demais e estudando também, mas ela se recusava a acreditar
que ele seria assim tão mesquinho.
Enquanto pensava,
estava ouvindo músicas aleatórias. Lágrimas vieram aos seus olhos quando tocou
a música que ele havia cantado para ela nos primeiros meses de namoro. O
sentimento que ela tinha por ele era tão forte... Era tão... Sincero... E
novamente ela estava com aquela sensação de aperto no peito. Novamente ela
estava na mesma situação que ela se prometera nunca mais estar... Um leve
desespero de ver que, mais uma vez, seus sonhos de formar uma família estavam
ruindo. Se havia algo nesse tal amor que ela detestava, era que ele não podia
ser controlado. Ela odiava isso.
Engoliu o
choro com um gole grande de suco e fechou os olhos. Enquanto estava de olhos
fechados com a cabeça encostada em suas pernas, ficou prestando atenção aos
sons a sua volta. Há algum tempo ela treinava isso. Algumas pessoas passeavam
tranquilamente, outras brincavam com seus cachorros e outras simplesmente
caminhavam.
Um desses
caminhar ela estranhamente sabia que era familiar. E aquilo deixou seu coração batendo
mais forte. A última coisa que ela queria era ter que lidar com algum
conhecido. Porém, os passos simplesmente foram se distanciando, para seu
alivio. Quando deu por si, notou que estava chorando. Outra coisa desse tal
amor que ela não gostava... Chorar. Mas a verdade era que ela estava triste
havia meses. Todos os sorrisos que dava eram uma máscara.
Sem querer
passar mais vergonha, ela levantou e foi se dirigindo para casa. Tinha sorte de
que sua casa não era muito longe, logo, ela sempre que podia, ia a pé. Estava
chegando em seu apartamento quando notou que havia esquecido a porta
destrancada. Ficou com mais raiva de si mesma. Era para ser um dia para
descansar, e não para lembrar da sua mais dolorida lembrança. Jogou as chaves
no pote que havia no móvel da sala, jogou o livro em cima do sofá e foi para o
quarto para tomar banho. Ao passar pelo mini escritório, tomou um susto.
Havia um
grande arranjo de Margaridas, suas flores preferidas, em cima da mesa. Ela
entrou com uma estatua pequena que tinha perto caso alguém ainda estivesse no
cômodo. Não havia ninguém. O arranjo estava centralizado. Ele tem mania de
perfeição – ela começou a pensar e logo balançou a cabeça, já que era impossível
ele estar ali. Naquela hora ele estava do outro lado do mundo. Suspirou e pegou
o cartão. Nem precisava ver o nome, ela conhecia a letra.
Enquanto
lia, lágrimas rolavam por seu rosto. Lágrimas essas que ela tentava, em vão,
controlar. O cartão com palavras lindas, daquelas que cortam seu coração aos
poucos. Há cada palavra lida, seu coração doía mais. Como foi que ela deixou
seu relacionamento chegar aquela situação? Ela sentia falta dele, sentia falta
da organização exagerada dele, sentia falta dele reclamando dela por ser tão bagunçada
em casa, ela sentia falta de ver como ele arrumava a mesa que estava enquanto
falava ao telefone... E principalmente sentia falta das conversas madrugada a
dentro, o que as vezes, eram mais importantes que o próprio sexo, o que aliás,
ela sentia falta também.
Cada
pedaço do corpo dela sentia falta dele. Ele havia mandado aquele arranjo, com
aquele cartão... Foi quando ela se levantou num susto. O cartão estava escrito
à mão. Isso quer dizer que ele mesmo escreveu, pois ela reconhecia aquela letra
perfeita. Isso quer dizer que ele estava na cidade. Que ele havia estado no
apartamento... Mas... Por que ele não havia esperado? Por que ele não havia
telefonado? Por que...
- Oi! –
Ela escutou atrás de si. Sentou como se todo sangue do seu corpo havia sumido.
Se recusou a se virar. – Não vai se virar? – Ela sentiu as mãos dele em seu
ombro.
Balancou a
cabeça dizendo não. Estava com medo de que tudo aquilo fosse um sonho e que,
quando se virasse e visse seus cálidos olhos castanhos, ela acordasse
assustada, como muitas vezes aconteceu.
Ele
apertou mais forte, porém ainda suave, seu ombro e foi abraçando aquela mulher
que estava na sua frente. Por alguns meses ele sentiu falta dela, tanto que
havia se tornado respirar. E ele a conhecia, sabia que ela estava se sentindo
sozinha. Logo ela que detestava se sentir assim e isso o machucava. E para
poder preservar seu beija-flor, ele cada vez menos entrava em contato com ela.
Não enquanto não resolvesse o que fazer. O cargo dele, presidente regional de
uma grande multinacional, poderia trazer estabilidade financeira, mas não podia
deixa-lo perto dela que em tão pouco tempo havia tomado conta de cada célula de
seu corpo. Então... Depois de seis meses, não foi difícil tomar a decisão. Ele
só precisou esperar seu substituto chegar.
Ao ve-la
entrando pela porta, sabia que havia tomado a decisão certa. Ele a virou
lentamente.
- Abra os olhos. Eu estou aqui. Com
você.
- Você não
entende... Sonhei tanto com isso que eu estou com medo de que... – Ela não conseguia
terminar de falar. Lágrimas rolavam novamente pelo seu rosto. E ele sabia que
ela se culpava. Tola. Era por isso que ele a amava tanto.
Antes que
ela sequer pudesse pensar em mais alguma coisa para falar, ela sentiu o calor
dos lábios dele nos seus. Um beijo que ela desejava mais que tudo.
Naquele momento, não havia mais nada, apenas duas pessoas e um só
coração.
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